Há um ramo da filosofia chamado Filosofia da Religião, que basicamente estuda a religião abordando essa coisa espiritual do homem do ponto de vista da metafísica, da antropologia e da ética. Esse é, aparentemente, o único ângulo em que você pode tratar a religião como uma ciência: aquele em que se estuda aspectos filosóficos, e também os sociais, da religião.
Isso porque algo que funciona com base em crenças obviamente não é uma ciência, como já entendemos no post linkado no início do texto. É por esta razão que não têm cabimento sugestões como a que fez Marco Feliciano certa vez, dizendo que se ensinam Darwin, deveriam ensinar também Moisés nas escolas.
Mas aonde eu quero chegar?
O que você estuda na escola, matemática, línguas, sociologia, história, física, química, é ciência. Na escola, aprende-se não valores morais e crenças, e sim conhecimento (ah, quando se fala em conhecimento, se fala em ciência. Se está acompanhando tudo até aqui, você já sabe disso, né?).
Nas escolas públicas se estuda apenas ciência, o que acontece porque o estado é laico, e é assim porque é assim que é o certo. A educação moral e ética é aquela que se diz que vem de casa, e a religiosa é na igreja, e talvez em alguma escola particular de viés religioso. Em qualquer coisa pública, o viés é laico.
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Foto retirada de matéria do Estadão (link nesta postagem) |
Até antes, a defesa era de que o ensino religioso fosse o que chamam de "não-confessional": se limita à exposição das doutrinas, história, práticas e aspectos sociais das diferentes crenças, e também do ateísmo e do agnosticismo (que legal, assim até eu fiquei interessado!).
Na verdade, aparentemente o ensino religioso facultativo já existe nas escolas públicas, apesar de eu, pessoalmente, nunca ter visto esse ensino, ainda mais esse com caráter "não-confessional".
Mas enfim, eis que surgem as autoridades do Brasil versão 2017.
Pra quem não está sabendo, esses dias eles decidiram mudar a não-confessionalidade do ensino religioso em escolas públicas, de modo que uma escola pública possa ensinar uma religião específica (tomara que a minha ofereça aulas de espiritismo, sempre achei interessante...). Inclusive a aula pode ser dada por um padre ou um pastor, por exemplo.
Na realidade, ensino confessional em escolas públicas é inconstitucional, mas a responsável pelos nossos direitos, ministra Cármen Lúcia não acha, então tudo bem.
Essa aprovação é só mais uma amostra da preocupante e triste boçalidade das nossas autoridades, que não entendem de muitas coisas que deveriam, e educação é uma das primeiras entre elas. Não esquecemos do "Escola Sem Partido", né?
Lendo esta matéria do G1, de cerca de uma semana atrás, achei legal, por exemplo, a opinião do ministro Gilmar Mendes, que aparentemente acha esse negócio de Estado Laico uma coisa do domínio daquela bobagem de "politicamente correto". Pra quem não sabe, hoje em dia, no Brasil, quem quer uma sociedade justa e direitos iguais para todos faz isso pra ser politicamente correto, como que para fazer uma média e pagar de honesto, enquanto não devolve o troco a mais que o caixa dá errado ou senta no assento preferencial do ônibus (Deus tá vendo). É a maldita SOCIEDADE HIPÓCRITA, grrrr.
Mas enfim, segue o argumento do Gilmar:
“Aqui me ocorre uma dúvida interessante: será que precisaremos, eu pergunto, em algum momento chegar ao ponto de discutir a retirada da estátua do Cristo Redentor do morro do Corcovado por simbolizar a influência cristã em nosso País? Ou a extinção do feriado de Nossa Senhora de Aparecida? A alteração dos nomes dos estados? São Paulo passaria a se chamar Paulo? Santa Catarina passaria a se chamar Catarina? E o Espírito Santo? Poderia se pensar em espírito de porco ou em qualquer outra coisa. Portanto, essas questões têm implicações”.
Agora sim me convenceu de que esse negócio de laicidade é bobagem, e você?
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Foto retirada de matéria do G1 (link nesta postagem) |
Isso porque, no Brasil, ninguém é obrigado a se ligar em religião. Isso é que é ser laico, e se esse fato te incomoda, preciso dizer que lamento. A título de observação, pode ser interessante linkar este meu texto falando um pouco sobre laicidade.
Digo isso apenas porque essa já antiga inclusão do ensino não-confessional facultativo pra mim representa não uma medida inofensiva de oferecer uma opção de estudo, mas uma tímida tentativa de empurrar a religiosidade para os alunos. É como quem diz assim: "Olha, eu sei que não é obrigatório mas aqui, se liga em religiosidade aqui". Claro que essa tal religiosidade muito provavelmente seria a cristã.
E essa decisão de confessionalizar o ensino religioso é uma evolução dessa tentativa. É como se o Estado estivesse com vontade de violar a laicidade na educação pública desde sempre mas estivesse com vergonha e agora criou coragem e deu mais um passo. Tomara que não consiga dar mais nenhum. Ou você não vê problema nisso tudo?
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